Facilitar a inclusão de pessoas com deficiências em programas de planejamento familiar: Um Guia de Planejamento Estratégico

Este documento destina-se a orientar gestores de programas, planejadores e tomadores de decisão por meio de um processo estratégico para facilitar a inclusão de pessoas com deficiência em programas de planejamento familiar. O referido documento foi desenvolvido por meio de consultas e discussões com organizações de pessoas com deficiência (OPDs), prestadores de serviços e especialistas técnicos em inclusão, planejamento familiar e saúde e direitos sexuais e reprodutivos (SDSR).

Em todas as ações-chave relacionadas abaixo, as respostas programáticas devem abordar a diversidade das pessoas com deficiência, que não são um grupo homogêneo e são portadoras de diversos tipos de deficiência - algumas delas invisíveis ou nem sempre aparentes.

A discussion between participants in the 2010 Women’s Institute on Leadership and Disability (WILD) leadership program.

Discussão entre participantes do programa de liderança do Women's Institute on Leadership and Disability (WILD) de 2010. Crédito da foto: www.kiefelphotography.com

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Mais de um bilhão de pessoas no mundo vivenciam algum tipo de deficiência,2 o que corresponde a cerca de 15% da população mundial. Uma em cada cinco mulheres tem deficiência. As pessoas com deficiência estão sendo “deixadas para trás” no trabalho da comunidade global em relação à saúde, incluindo os SDSR.3 Um relatório da Comissão Guttmacher–Lancet enfatiza que pessoas com deficiência são uma “população mal atendida sujeita a estereótipos e mitos prejudiciais […]. Elas têm muito mais probabilidade de serem vítimas de abuso físico e sexual e de estupro […]. Elas também têm maior probabilidade de serem submetidas a procedimentos forçados ou coercitivos, como esterilização, aborto e contracepção. As informações inadequadas e a escassez de recursos específicos contribuem para a vulnerabilidade desse grupo.”4 Essas desvantagens começam cedo na vida e continuam na idade adulta.5

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Pessoas com deficiência são “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme declarado na Convenção das Nações Unidas sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (CRPD), Artigo 1.1

Os princípios fundamentais da inclusão de pessoas com deficiência, derivados da CRPD (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) são acessibilidade, participação e não discriminação.1 Um programa ou serviço é inclusivo quando as pessoas com deficiência, em toda a sua diversidade, podem participar de forma significativa e ter suas necessidades atendidas e seus direitos respeitados e atendidos.

Para garantir que os programas de planejamento familiar sejam significativos e tenham impacto para pessoas com deficiência, a inclusão da deficiência deve ser considerada em todos os estágios de planejamento e preparação. Se uma perspectiva de inclusão não for incorporada logo no início do processo de elaboração do programa, a inclusão de pessoas com deficiência geralmente se torna uma “reflexão tardia” durante a implementação e, inevitavelmente, resulta em inadequações no envolvimento das partes interessadas e na alocação de recursos.

A programação do planejamento familiar inclusivo deve sempre estar alinhada com os Princípios que sustentam as Práticas de Grande Impacto para o Planejamento Familiar baseados em direitos, Princípios Fundamentadores das Práticas de Grande Impacto em Planejamento Familiar, incluindo a equidade, que se relaciona com a identificação e abordagem de barreiras ao comportamento de busca de saúde, ao uso voluntário de contraceptivos e à realização de ajustes programáticos para superar disparidades.6 A inclusão de pessoas com deficiência e das organizações que as representam é essencial para a equidade e para a construção de programas de planejamento familiar mais robustos.

Incluir as pessoas com deficiência nos programas desde o início é fundamental. [ONGs e gestores de programas] precisam que elas sejam as promotoras do programa e que alcancem outras pessoas. As OPDs podem aconselhar sobre o que é necessário, como fazê-lo e como chegar a outras [pessoas com deficiência]. Mas isso demanda a realização de consultas consistentes.”

Victor Adis, OPD do Sudão do Sul

As ações-chave a seguir facilitam a inclusão de pessoas com deficiência em programas de planejamento familiar.

Para atender efetivamente às necessidades de planejamento familiar e promover os direitos de todas as pessoas com deficiência, além de realizar um planejamento adequado para garantir uma cooperação multissetorial e inclusiva, as partes interessadas em planejamento familiar devem coletar informações importantes. Dicas de implementação:

  • Mapeie as OPDs e colete informações sobre a experiência delas no campo de SDSR e planejamento familiar. Inclua OPDs lideradas por mulheres e jovens e organizações de pais de crianças com deficiências.
  • Reúna e analise os dados existentes sobre planejamento familiar e SDSR desagregados por deficiência; identifique lacunas na disponibilidade de dados e informações inclusivas sobre SDSR e prestação de serviços.
  • Mapeie políticas relevantes, verifique sua implementação e observe se elas são discriminatórias, inclusivas ou omissas em relação às pessoas com deficiência. Em consulta com as OPDs, identifique quais políticas precisam ser modificadas ou adaptadas.

A parceria e a cooperação com as OPDs devem ser intencionais desde a fase de concepção do projeto. A experiência delas em identificar e abordar barreiras que impedem o acesso de pessoas com deficiência às informações e aos serviços de SDSR é essencial em cada fase do projeto e é fundamental para garantir que os princípios “não causem dano” e “nada sobre nós sem nós” sejam totalmente colocados em prática.

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As OPDs (“Organizações de Pessoas com Deficiência”) são organizações lideradas, dirigidas e governadas por pessoas com deficiência. As OPDs estão comprometidas com o empoderamento das pessoas com deficiência e com o respeito e o reconhecimento de seus direitos. Todas elas oferecem recursos essenciais e apoio a pessoas com deficiência, algumas delas especificamente para mulheres, meninas e jovens com deficiência. Muitas se dedicam ao ativismo e à conscientização.

Dicas de implementação:

  • Garanta a participação significativa das OPDs em cada etapa do projeto e no processo de tomada de decisão com orçamento planejado e fornecimento de informações e comunicação acessíveis (por exemplo, braile, letras grandes, linguagem simples, interpretação de linguagem de sinais, legendas), bem como locais de reunião presenciais e plataformas virtuais acessíveis. Compense a participação delas e pague proativamente ou, se necessário, reembolse os custos associados à participação delas (por exemplo, transporte acessível, pessoa de apoio).
  • Explore conjuntamente os objetivos do programa e identifique as áreas de parceria em potencial (por exemplo, em alcance de SDSR e mobilização da comunidade, treinamento para profissionais de saúde, defesa de direitos).
  • Considere o conhecimento e os pontos fortes das OPDs em SDSR e discuta suas necessidades com relação ao fortalecimento de capacidades.
  • Caso não exista uma OPD em funcionamento no local em que as atividades do programa serão realizadas, entre em contato com OPDs em nível nacional/regional para obter orientação e entre em contato com líderes comunitários locais para facilitar a identificação de pessoas com deficiência na área.

Mulheres com deficiências são frequentemente excluídas das informações e dos serviços de planejamento familiar na comunidade e nas unidades de saúde devido a barreiras relacionadas a fatores que se sobrepõem, incluindo deficiência, idade e gênero.4,7 Para fornecer informações e serviços de planejamento familiar inclusivos, a identificação e compreensão das barreiras e dos facilitadores são fundamentais e devem ser realizadas em colaboração com as OPDs. As barreiras e os facilitadores podem ser classificados nas quatro áreas principais descritas em um quadro resumido e mais amplamente na diretriz Sexual and Reproductive Health and Rights for All: Disability Inclusion from Theory to Practice (seção 1.3.1).8 Uma vez identificadas as barreiras, é necessário que os tomadores de decisão nacionais, os administradores de programas de planejamento familiar e as organizações relevantes da sociedade civil as considerem usando uma “abordagem dupla”, que implica:

  • Integrar medidas que incluam pessoas com deficiência no planejamento, no projeto, na implementação, no monitoramento e na avaliação de todas as políticas e programas de SDSR, ou “mainstreaming”, e
  • Implementar programas ou iniciativas específicas para pessoas com deficiência para atender às necessidades específicas e apoiar o empoderamento dessas pessoas.

O planejamento e o orçamento de programas inclusivos de SDSR precisam contar com pessoas com deficiência e OPDs, estimar custos realistas e atender às necessidades expostas pelos dados desagregados por deficiência e pelas avaliações das barreiras. É fundamental definir indicadores para monitorar a alocação e o uso do orçamento para a inclusão e que as principais etapas para criação de acesso equitativo a informações e serviços de planejamento familiar de alta qualidade9 sejam integradas ao projeto.

Dicas de implementação:
Planeje e faça o orçamento de uma prestação de serviços que seja acessível e inclusiva para pessoas com deficiência, considerando os seguintes exemplos de itens orçamentários:

  • Modificação da infraestrutura da unidade de saúde (por exemplo, banheiros acessíveis, rampas).
  • Realização de visitas domiciliares inclusivas e divulgação (por exemplo, aos locais de reunião das OPDs, teleatendimento, clínicas móveis, custos de acomodação razoáveis).
  • Material de comunicação, informação e educação acessível e inclusivo, bem como material de informação para mudança social e comportamental (por exemplo, formatos diferentes, material audiovisual, braile).
  • Capacitação de profissionais de saúde e outros funcionários relevantes em direitos humanos, inclusão de deficientes, equidade na saúde e atendimento universal à saúde, além de recrutamento, capacitação e inclusão de pessoas com deficiência como prestadores de serviços de saúde ou voluntários da comunidade, incluindo custos de acomodações razoáveis, transporte e tecnologia assistida e digital para pessoas com deficiências sensoriais (por exemplo, pessoas cegas, com visão reduzida, surdas).

Há uma lacuna crítica de evidências relacionadas à inclusão de pessoas com deficiência em todos os programas de saúde, incluindo planejamento familiar. Isso pode deixar os formuladores de políticas e prestadores de serviços sem informações adequadas para a tomada de decisões sobre serviços e alocação de recursos. Estruturas legais, incluindo a CRPD, solicitam que os governos dos países coletem informações adequadas, inclusive dados estatísticos e de pesquisa, e utilizem a desagregação de dados para possibilitar a formulação e a implementação de políticas adequadas. Os prestadores de serviços de saúde podem documentar os dados sobre deficiência usando ferramentas como o The Washington Group Questions Short Set (WG-SS),10 uma ferramenta reconhecida internacionalmente e usada para identificar a prevalência de deficiências.

Dicas de implementação:

  • Colete dados de SDSR desagregados por deficiência, idade e gênero como parte dos sistemas de coleta e monitoramento de dados de rotina e agregue indicadores inclusivos de deficiência (exemplos na caixa abaixo).
  • Sensibilize e capacite as partes interessadas relevantes da área de saúde, equipes do governo e prestadores de serviços a respeito da importância e do uso de ferramentas de coleta de dados, como o WG-SS, o Demographic and Health Surveys Disability Module11 e a inclusão de pessoas com deficiência em mecanismos de retroalimentação para melhorar a qualidade dos serviços e a responsabilidade pela CRPD, a declaração política de Cobertura Universal de Saúde e a resolução da Assembleia Mundial da Saúde sobre O Mais Alto Padrão Atingível de Saúde para Pessoas com Deficiência.12
  • Assegurar o consentimento informado, a confidencialidade, a privacidade e o respeito durante os processos de coleta de dados para garantir “não causar dano” e a proteção das informações pessoais.
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Exemplos de indicadores de SDSR com inclusão de deficiência

  • Porcentagem de mulheres em idade reprodutiva com deficiência que acessam serviços de saúde e relacionados à SSR
  • Número de pontos de prestação de serviços de SSR que têm adaptações de acessibilidade física implementadas
  • Número de pontos de prestação de serviços de SSR que possuem adaptações de acessibilidade de informação e comunicação
  • Porcentagem da equipe de saúde capacitada (capacitação inicial e contínua) em SDSR inclusivo

Este documento foi originalmente esboçado por Alessandra Aresu, Jane Newnham e Rosanne Rushing. Seu conteúdo foi desenvolvido através de consultas e discussões com organizações de pessoas com deficiência (OPDs), incluindo Jane Kihungi, Women Challenged to Challenge (Quênia); Badiul Alam, Protibondhi Baykti Unnoyon Somity (Bangladesh); Rebeka Akter, Bogura Zila Spandon Protibandhi Nari Parisodh (Bangladesh); Zekia Musa Ahmed, South Sudan Women with Disabilities Network; Victor Adis, South Sudan Organisation of Persons with Disabilities e Yei Disable Action Group. Adicionalmente, as seguintes pessoas ofereceram revisões críticas e comentários úteis: Maria Carrasco, Chukwuemeka Nwachukwu, Ados May, Laura Raney, Megan Gomes, Katherine Guernsey, Diana Carolina Moreno, Jahid Khan, Govinda Dhungana, Esther Namulinda, Kerry MacQuarrie, Natalie Apcar, Carey Walovich, Virpi Mesiäislehto e Laura Ximena León Orjuela.

Uma lista completa de referências usada no desenvolvimento deste guia pode ser encontrada em: https://fphighimpactpractices.org/wp-content/uploads/2023/09/References-PLWD-Strategic-Planning-Guide.pdf

Práticas de Grande Impacto (PGIs) em Planejamento Familiar. Facilitar a inclusão de pessoas com deficiência em programas de planejamento familiar: Um Guia de Planejamento Estratégico. Washington, DC: Parcerias PGIs; Março de 2023. Disponível em: www.fphighimpactpractices.org/guides/facilitate-the-inclusion-of-persons-with-disabilities-in-family-planning- programming/

Para engajar-se com as PGIs, visite: https://www.fphighimpactpractices.org/pt/engage-with-the-hips/

As Parcerias PGIs representam uma parceria diversa orientada por resultados, abrangendo uma grande diversidade de partes interessadas e especialistas. Assim, a informação nos materiais PGI não necessariamente reflete as visões de cada copatrocinador ou organização parceira.