Planejamento Familiar em Cenários Humanitários: Um Guia de Planejamento Estratégico
Em homenagem ao trabalho e à vida de Jennifer Schlecht, “Mulheres refugiadas têm as mesmas necessidades de saúde reprodutiva que outras mulheres – senão mais. Penso que há uma aceitação e um entendimento crescentes no sentido de que as crises não acontecem apenas com os outros. [Este entendimento] abre muitas oportunidades mais para todas nós.”
Planejamento familiar salva de vidas.1 Assegurar o acesso contínuo a planejamento familiar a populações que experimentam uma crise humanitária é necessário, imperioso e viável. A interrupção de serviços de planejamento familiar pode ser minimizada através de a) ações preparatórias, b) resposta à crise e c) transição coordenada para o restabelecimento dos serviços de rotina.
O Minimum Initial Service Package (pacote de serviços iniciais mínimos, MISP)i para Saúde Reprodutiva (2018) atualizado reposicionou o planejamento familiar “na prevenção de gestações não desejadas” como um dos quatro principais serviços clínicos e salvadores de vida do MISP.2
Este documento guia tomadores de decisão nos níveis nacionais e subnacionais através de um processo estratégico para identificar ações que melhorem o acesso ao planejamento familiar em locais sob risco, experimentando ou se recuperando de eventos de crise. As ações aqui expostas refletem o aprendizado entre países e agências que se engajaram na preparação e resposta a emergências e restabelecimento de serviços, e receberam informação de especialistas com larga experiência nestas fases de crise.ii
Há três principais fases sobrepostas em uma crise humanitária: ações preparatórias, resposta à emergência e restabelecimento (veja ilustração). Estas fases são frequentemente mais subdivididas e não têm pontos de início e fim claramente delineados. Os países podem estar dando resposta a uma crise prolongada enquanto se preparam para outra, ou fazem transição, ou experimentam outras crises. Os esforços preparatórios, de resposta e de restabelecimento devem ser adaptados a contextos locais e modelados por tomadores de decisão em pontos adequados dentro do ciclo da crise humanitária e dentro do sistema de saúde. O Ciclo [de crise] Humanitário (ilustração) enfatiza estes pontos de entrada: preparatória, resposta e restabelecimento. As partes interessadas variam dependendo da fase e da gravidade da crise, e da capacidade das estruturas internacional, nacional e subnacional.
Ações preparatórias
Ações preparatórias melhoram a prontidão e qualidade da resposta e aumentam a eficiência durante um evento de crise.3 Governos que investem na condução de atividades preparatórias podem atingir significativamente a economia ao reduzir a tensão geral sobre sistemas locais e internacionais sobrecarregados e ajudar a assegurar que não se percam os ganhos de desenvolvimento quando a crise atacar.
- Identifique oportunidades para engajar agentes humanitários em grupos de trabalho técnico, tais como aqueles que trabalham em segurança de produtos ou planejamento familiar/saúde reprodutiva durante tempos de estabilidade.
- Defenda a inclusão do planejamento familiar/saúde reprodutiva dentro dos planos de Gestão Nacional de Emergências e Riscos de Desastre.
- Assegure que produtos de planejamento familiar estejam incluídos nas listas nacionais de medicamentos essenciais.
- Identifique e crie capacidade para um Sistema de Informação de Saúde de emergência, caso o sistema existente venha a falhar.
- Capacite equipes relevantes em todos os níveis do sistema de saúde no MISP, o Inter-Agency Emergency Reproductive Health Kits (kits de saúde reprodutiva de emergência)iii que facilita a implementação do MISP, e em sistemas de coordenação de emergência.
- Durante tempos de estabilidade, engaje agentes locais com capacidade de prestar serviços de planejamento familiar/saúde reprodutiva durante um evento de crise (tais como organizações experientes em resposta humanitária, organizações privadas ou não governamentais experientes em servir populações vulneráveis, grupos que trabalham com violência baseada em gênero etc.).
- Implique as comunidades em regiões sob alto risco de experimentar uma crise em atividades de planejamento e estabelecimento de prioridades.
- Crie um ambiente de políticas favorável para facilitar a rápida entrada de produtos de planejamento familiar em um país no caso de uma emergência.
- Mapeie as necessidades, desafios e contingências prováveis ao longo da cadeia de suprimento.
- Reforce a capacidade nacional de recursos humanos para gerenciar suprimentos contraceptivos no caso de uma emergência.
- Integre suprimentos de emergência (incluindo contraceptivos) nos sistemas de informação da gestão logística.
- Melhore os mecanismos de coordenação entre parceiros para melhorar o funcionamento da cadeia de suprimento em emergências.
- Descentralize estoques regionalmente ou pré-posicione os suprimentos quando for estratégico.
- As crises normalmente ocorrem em comunidades com infraestrutura e sistemas fracos. Em razão disso, reforçar serviços de rotina, particularmente em comunidade de alto risco, é um passo importante das ações preparatórias.
- Crie uma lista de prestadores de serviços de planejamento familiar para aumentar a capacidade.
- Apoie políticas e práticas para maximizar o acesso a serviços de planejamento familiar de qualidade, inclusive em situações de crise.
- Rodízio de tarefas/compartilhamento de políticas e práticas
- Agentes comunitários de saúde
- Serviços itinerantes de entrega de produtos e serviços
- Dissemine informação utilizando uma variedade de canais de comunicação, p. ex., mídias de massas, engajamento de grupos comunitários, plataformas digitais.
A resposta de crise
A resposta de crise ativa o sistema de grupos humanitários, incluindo o grupo de saúde e o subgrupo de saúde sexual e reprodutiva, para assegurar coordenação entre cada setor tanto de parceiros existentes quanto de novos que chegam para oferecer auxílio. A resposta de crise em saúde reprodutiva, incluindo planejamento familiar, é organizada em torno do MISP, conforme mencionado acima.
- Defenda a inclusão e uma gama completa de métodos contraceptivos na resposta de crise.
- Defenda a isenção de políticas que bloqueiam o acesso a serviços de planejamento familiar (p. ex. requisições de residência, registro de casal elegível etc.).
- Monitore a implementação de serviços de planejamento familiar voluntário durante a resposta de crise.
- Coordene-se com outros grupos quando necessário, tal como o grupo de logística, para facilitar a disponibilidade de suprimentos de planejamento familiar.
- Estabeleça orientação provisória para apoiar populações transitórias potenciais, tal como estender o número de meses de fornecimento de pílulas contraceptivas orais, a distribuição de contracepção profilática de emergência, informação sobre o manejo de métodos de longo prazo etc.
- Apoie o engajamento comunitário que sensibiliza comunidades quanto à importância do planejamento familiar e a disponibilidade de contracepção.
- Apoie a responsabilização social, incluindo um ciclo transparente para revisar e dar retorno aos níveis de prestação de serviços e de coordenação de grupos.
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- Revise a lista de prestadores de serviços de planejamento familiar para recrutamento para a equipe de resposta.
- Adapte o Sistema de Informação de Saúde nacional para coletar dados dos novos pontos de prestaçao de serviços de planejamento familiar.
- Incorpore mudanças no uso de contraceptivos e adapte planos de quantificação e aquisição antes dos serviços de emergência terminarem.
A transição coordenada
A transição coordenada para sistemas de planejamento familiar de rotina deve ser uma consideração inicial. Tais transições devem ocorrer tão logo que possível e frequentemente começam de três a seis meses depois de um evento de crise ocorrer. A transição deve ser feita com uma interrupção mínima da prestação de serviços.
- O Ministério da Saúde deve supervisionar a resposta de crise a serviços de rotina.
- Agentes humanitários de planejamento familiar/saúde reprodutiva responsáveis pela programação provisória devem fornecer informação ao ministério e parceiros de desenvolvimento, incluindo serviços prestados, capacidade melhorada, sistemas utilizados e recomendações para continuidade.
- Estabeleça um plano de transição para prestação de serviços, recursos humanos e produtos e suprimentos, incluindo planos de encaminhamento para assegurar que usuárias/os atendidas/os por unidades provisórias de prestação de serviços saibam onde acessar serviços.
- Calcule as necessidades e custos de produtos de planejamento familiar quando a situação estabilizar para informar o planejamento de cadeias de suprimento de rotina.
- Inclua produtos de planejamento familiar recentemente introduzidos dentro da cadeia de suprimento regular.
- Restaure mecanismos de gestão da Cadeia de Suprimento Nacional pré-desastre em cenários onde agentes humanitários assumiram aquelas responsabilidades.
- Capacite e apoie os prestadores para entender e responder ao impacto das crises das/os usuárias/os (p. ex. trauma psicossocial e físico, aumento na gravidez adolescente, aumentos em todas as formas de violência baseada em gênero).
- Assegure que a força de trabalho esteja capacitada em procedimentos novos ou adaptados, tais como aqueles requeridos para oferecer novos métodos introduzidos durante a crise.
- Restaure sistemas nacionais de informação de gestão de saúde e LMIS pré-crise e assegure a transferência de dados de sistemas de informação usados durante a emergência.
- Aproveite novas oportunidades e parceiros para melhorar serviços após a crise, tais como prestação de serviços de planejamento familiar através de programas itinerantes.
- Assegure que serviços e suprimentos de planejamento familiar estejam adequadamente orçados nos planos de saúde e recuperação pós-crise.
Referências
- Winikoff, B., & Sullivan, M. (1987). Assessing the Role of Family Planning in Reducing Maternal Mortality. Studies in Family Planning, 18(3), 128; Ahmed, S., Li, Q., Liu, L., & Tsui, A. O. (2012). Maternal deaths averted by contraceptive use: an analysis of 172 countries. The Lancet, 380(9837), 111–125.
- Inter-Agency Working Group on Reproductive Health in Crisis. (2019) Minimum Initial Service Package for Sexual and Reproductive Health. https://iawg.net/resources/misp-reference
- UNICEF/World Food Programme Return on Investment for Emergency Preparedness Study (2015).
https://www.wfp.org/publications/unicefwfp-return-investment-emergency-preparedness-study
Citação sugerida
High-Impact Practices in Family Planning (HIPs). Family Planning in Humanitarian Settings: A Strategic Planning Guide. Washington, DC: Family Planning 2020, 2020 Sep. Disponível em: https://www.fphighimpactpractices.org/guides/family-planning-in-humanitarian-settings/
Para mais informação sobre os resumos PGI e sobre o trabalho da parceria PGI, veja o site Práticas de Grande Impacto em Planejamento Familiar em http://www.fphighimpactpractices.org/pt/ ou contate a equipe em https://www.fphighimpactpractices.org/contact.
Tradução para o português pela OMS/Rede IBP. Revisor, Thais Forster, OPS/CLAP
Os HIPs representam uma parceria diversificada e orientada a resultados que abrange uma ampla gama de partes interessadas e especialistas. Como tal, as informações nos materiais HIP não refletem necessariamente as opiniões de cada co-patrocinador ou organização parceira.
i O conjunto de objetivos prioritários, incluindo acesso à contracepção e atividades para atender necessidades básicas de SR em crises.
ii Este documento foi escrito por Jennifer Schlecht com revisão crítica e contribuições de Raya Alchukr, Sara Casey, Nadine Cornier, Henia Dakkak, Meghan Gallagher, Stephanie Gee, Aditi Gosh, Jennie Greaney, Nancy Harris, Anushka Kalyanpur, Rajat Khosla, Yann Lacayo, Kathleen Myer, Elizabeth Noznesky, Sarah Rich e Ashley Wolfington.
iii Kits de saúde reprodutiva padronizados são projetados para responder às diferentes necessidades e tamanhos da populaçao. Kits de planejamento familiar contêm preservativos, contraceptivos orais e injetáveis e dispositivos intrauterinos.