Criar acesso equitativo a informação e serviços de planejamento familiar de alta qualidade: Guia de Planejamento Estratégico
Este Guia de Planejamento Estratégico busca orientar gerentes, planejadores e tomadores de decisão a identificar inequidades em planejamento familiar e intervenções para reduzi-las. Este guia foi desenvolvido através de consultas e deliberações com especialistas em equidade em saúde e planejamento familiar e baseia-se no documento de reflexão sobre equidade em planejamento familiar desenvolvido sob a Parceria para Práticas de Grande Impacto em Planejamento Familiar.1
Equidade em planejamento familiar não significa que todos os grupos usem contracepção — ou métodos de contracepção específicos – em taxas iguais. Mais especificamente, a equidade é alcançada quando todos as pessoas têm acesso à informação sobre saúde reprodutiva e a serviços contraceptivos de alta qualidade, incluindo escolha de métodos e disponibilidade de tais métodos, que reflitam seus valores e preferências e o contexto no qual vivem; independente de idade, religião, sexo, incapacidade, raça, etnia, origem, status econômico ou outros fatores.
A Figura 1 ilustra um exemplo de equidade. Neste exemplo, várias populações estão representadas por figuras de diferentes tamanhos. Isso não busca sugerir diferenças em valor, mas de fato mostrar como os ativos de diferentes grupos são acomodados em maior ou menor extensão pelo sistema existente, conforme mostrado pela cerca e pelos caixotes. Oferecer a todos o mesmo apoio para que enxerguem acima da cerca não produz um resultado igual para todos os espectadores. A equidade reconhece que grupos de populações podem demandar recursos distintos para superar barreiras no sistema existente. A justiça promove um passo adicional no reconhecimento e abordagem direta de barreiras e busca remover tais barreiras através da remoção da cerca.
Os passos seguintes buscam ajudar os planejadores, gerentes e parceiros de desenvolvimento de programas a identificar inequidades e desenvolver intervenções para abordá-las.
Passo 1: Determinar de quem são as necessidades não atendidas
Para começar a trabalhar em direção a uma equidade aprimorada em um programa de planejamento familiar, considere todas as características que definem um grupo populacional que possam desempenhar um papel crucial na definição de como esses grupos acessam o planejamento familair.1 Análises como as incluídas no Demographic and Health Surveys, contudo, normalmente usam quintis de riqueza para analisar inequidades. Embora viver na pobreza seja um traço comum entre pessoas que experimentam os piores resultados de saúde, a análise baseada apenas no status econômico pode ocultar importantes considerações sociais e ambientais para a concepção do programa. Por exemplo, ser adolescente ou não casado pode limitar o acesso à contracepção, independentemente de riqueza. Programas que se concentram exclusivamente nas mulheres podem perder oportunidades de engajar o público masculino. A localização geográfica pode afetar a capacidade de uma pessoa de chegar a uma unidade de saúde, assim como de ter acesso aos métodos e serviços ali disponíveis. A Tabela 1 descreve três categorias de características que podem contribuir para resultados diferentes em planejamento familiar. Não deixe de considerar como as combinações dessas características podem afetar o acesso à informação e serviços.* Um adolescente de um lar pobre que faz parte de um grupo populacional minoritário provavelmente terá uma experiência muito diferente no acesso aos cuidados de saúde do que uma pessoa com apenas uma dessas características.
*Interseccionalidade se refere à sobreposição de mais de uma categoria de discriminação, tal como raça, classe e gênero. Para maiores informações, leia: Crenshaw K. Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. University of Chicago Legal Forum. 1989(1):8. Acessado em 6 de agosto de 2021. http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8
Categorias de características potencialmente relacionadas a resultados de planejamento familiar desiguais
Econômico | Riqueza, pobreza, estabilidade de renda, emprego, ocupação |
Social | Idade, raça, etnia, casta, sexo ao nascer, identidade de gênero, orientação sexual, religião, nacionalidade, idioma, educação, deficiência, normas sociais e de gênero |
Ambiental | Localização geográfica (urbana/rural, distância dos serviços de saúde), cenário de emergência humanitária |
Usando as características da Tabela 1, identifique primeiro os grupos populacionais cujas necessidades podem não estar sendo atendidas por um programa de planejamento familiar existente e os grupos de referência a serem usados como comparação para monitoramento e avaliação. Os grupos de referência podem ser médias nacionais ou uma população definida que pode ter maior acesso a recursos, como, por exemplo, os ricos.
Em seguida, determine que medidas usar para avaliar se os grupos populacionais estão sendo plenamente atendidos pelo programa de planejamento familiar. Embora a taxa de prevalência de contraceptivos (TPC) seja uma medida importante na implementação de um programa de planejamento familiar, isso não é suficiente para se entender completamente as inequidades no planejamento familiar. Considere o uso de uma combinação das seguintes medidas para entender mais completamente como os grupos são ou não capazes de acessar serviços, informações ou métodos de planejamento familiar, em comparação com os grupos de referência.
- Aqueles que querem retardar, espaçar ou limitar sua próxima gravidez fazem uso de contracepção? Veja o percentual de demanda satisfeita* e as razões para a não utilização entre as mulheres que não querem engravidar nos próximos dois anos, mas que não fazem uso de contracepção.
- Os integrantes desse grupo são mais propensos a ter uma gravidez indesejada ou inoportuna? Falta-lhes autonomia contraceptiva? Considere as diferenças entre gestações indesejadas ou inoportunas relatadas e o tamanho ideal da família.
- Os integrantes desse grupo correm maior risco de sofrer eventos adversos de uma gravidez, incluindo a mortalidade materna? Considere diferenças nas taxas de gravidez na adolescência, curto espaçamento entre nascimentos, multiparidade e risco de abortos inseguros.
- Todos os integrantes desse grupo têm acesso físico ao planejamento familiar, sem barreiras de geografia, estigma ou discriminação? Considere dados sobre locais das instituições de saúde /farmácias relativos ao local onde vivem os integrantes do grupo, experiências de estigma e discriminação e atitudes e práticas do prestador. Muitos dos dados sobre indicadores estão disponíveis através de DHS, acessíveis através do STATcompiler, enquanto outros podem ser compilados pelo ministério da saúde ou em nível programático. Os seguintes recursos podem ser úteis:
- World Health Organization Equity Assessment Toolkit
- Family Planning Equity tool,
- Reproductive Empowerment Scale e a Reproductive Autonomy Scale
- Performance Monitoring for Action (PMA)_DataLab tool e a reproductive empowerment tool
- Client poverty status measurement process
- Service Provision Assessment entrevistas de saída com usuários e entrevistas com prestadores.
*A satisfação de demanda é calculada como o número de mulheres entre 15 e 49 anos que utilizam qualquer método de planejamento familiar moderno, dividido pelo número total de mulheres com necessidades não atendidas, mais as mulheres que atualmente usam qualquer método de planejamento familiar. Veja https://dhsprogram.com/data/Guide-to-DHS-Statistics/Need_and_Demand_for_Family_Planning.htm para uma definição ampla.
Passo 2: Determinar quais barreiras as pessoas desse grupo populacional enfrentam no acesso a informações e serviços de planejamento familiar de alta qualidade
Depois da identificação dos grupos populacionais que enfrentam desigualdades no planejamento familiar, o próximo passo é definir as barreiras que a população-alvo enfrenta em relação a outros grupos populacionais. As barreiras potenciais que levam à não utilização ou necessidade não atendida são falta de acesso a informações, serviços e suprimentos; políticas restritivas; estigma e normas sociais, culturais e de gênero. O modelo social ecológico é um marco conceitual útil para se considerar restrições em múltiplos níveis.3 O processo de definição de barreiras deve ser conduzido em parceria com os usuários do grupo4 e as seguintes quatro perguntas sobre barreiras devem ser consideradas:
- As barreiras levam a resultados desproporcionais de planejamento familiar para o grupo populacional em relação ao grupo de referência?
- As barreiras são passíveis de intervenções eficazes?
- As barreiras são indesejáveis?
- As intervenções atuais para aliviar ou reduzir esta condição estão menos disponíveis para os grupos desfavorecidos da população?
Estas ferramentas podem ser úteis na definição de barreiras:
Passo 3: Tornar o programa de planejamento familiar mais responsivo aos valores e preferências de todas as pessoas
Uma vez identificadas as barreiras e as causas fundamentais, os programas devem continuar trabalhando com os membros do grupo populacional, as comunidades em que vivem e os prestadores que os atendem para se projetar ou adaptar intervenções com maior probabilidade de levar a uma mudança sustentável. Uma atividade de campo é útil para se entender os esforços atuais, bem como as lições aprendidas com programas implementados anteriormente. Além disso, uma análise baseada em pontos positivos deve ser conduzida para se pensar em soluções de cunho local para superar barreiras. Cerca de 60 organizações já trabalharam para desenvolver 20 práticas de grande impacto (PGIs) abordando a equidade ambiental (expandir a cobertura e a escolha do método), equidade social (atingir populações carentes) e equidade econômica (reduzir barreiras financeiras) e essas PGIs foram publicadas online. A PGI do agente comunitário de saúde enfatiza a importância desses trabalhadores descrevendo os grupos populacionais que enfrentam inequidades. Os agentes comunitários de saúde podem abordar as barreiras na busca de atenço de saúde ao levar os serviços às casas dos usuários ou acompanhando-os às visitas de saúde para superação de barreiras linguísticas e sociais. A PGI de marketing social descreve como os programas de marketing social podem reduzir as despesas de próprio bolso com produtos e serviços e criar campanhas promocionais que respondam às necessidades, preferências e preocupações de grupos populacionais que enfrentam inequidades. Leia atentamente as PGIs para aprender como tornar os programas mais sensíveis às necessidades de todos os grupos. Embora os programas direcionados a uma população possam ser caros, esses investimentos podem produzir economias futuras.
Uma vez que as três partes críticas da equidade tenham sido determinadas —necessidades não atendidas, barreiras que as impulsionam e as intervenções potenciais —, uma teoria da mudança pode ser criada. A teoria da mudança mapeará as condições do programa que precisam estar em vigor para se atingir o objetivo de longo prazo de reduzir as inequidades no planejamento familiar. Desenvolver uma teoria da mudança que seja abrangente, mas não excessivamente complicada, pode ser um desafio. Estas publicações fornecem uma referência útil:
- Using Theory of Change Frameworks to Develop Evaluation Strategies for Research Engagement: Results of a Pre-pilot Study
- Building a Theory of Change for Community Development and HIV Programming: The Impact of Social Capital, Stigma Reduction and Community-level Changes on HIV-related Health Outcomes for Orphans and Vulnerable Households in Mozambique
Exemplos de teorias da mudança incluem:
- Transforming Social Norms for Family Planning and Reproductive Health e, em nível de intervenção, Transforming Masculinities
- Adolescent Girls Empowerment Program
- PGIs, incluindo cupons de planejamento familiar, engajamento de grupos comunitários e financiamento público doméstico.
Passo 4: Monitorar a implementação
A teoria da mudança deve fornecer ideias sobre como o sucesso do programa será definido e medido. Deve incluir uma abordagem de monitoramento das estratégias do programa para testar as suposições e informar os ajustes na resposta do programa – com contribuição do grupo populacional. Além disso, os implementadores do programa devem monitorar regularmente os resultados. Por exemplo, os dados de resultados programáticos podem ser comparados com dados nacionais. Os dados de monitoramento devem ser desagregados por idade, região e outros fatores para permitir a análise da equidade e a priorização dos ajustes programáticos relacionados à equidade. A violência baseada em gênero e outros resultados potenciais não intencionais do aumento da informação e uso do planejamento familiar também devem ser identificados e monitorados. As informações dos clientes devem ser coletadas e analisadas para determinar se o atendimento recebido esteve livre de estigma, discriminação e preconceito baseado em idade, estado civil, etnia e outros fatores. Estratégias de melhoria da qualidade podem ser usadas para se tratar de quaisquer problemas identificados. Amostras de processos de planejamento familiar e indicadores de resultados para monitorar programas estão disponíveis em múltiplas fontes, incluindo o Family Planning and Reproductive Health Indicators , FP2030 e PMA2020. Orientações úteis também estão disponíveis no Data Impact on using routine data in evaluation. Por fim, as medidas de qualidade em assistência de saúde estão disponíveis.
Agradecimentos
Este documento foi originalmente redigido por Arsene Binanga, Sarah E.K. Bradley, Maria Carrasco, Shiza Farid, Mariama Gado, Karen Hardee, Erika Houghtaling, Kaja Jurczynska, Amanda Kalamar, Mahesh Karra, Baker Maggwa, Shawn Malarcher, Donna R. McCarraher, Jill M. Peterson, Ilene Speizer, John Stanback, Petrus Steyn, Sara Stratton, Michelle Weinberger e Baker Yiga. Adicionalmente, as seguintes pessoas ofereceram revisões críticas e comentários úteis: Christine Bixiones, Lydia Clemmons, Anita Dam, Jennifer Drake, Xaher Gul, Megan McLaren, Janet Meyers, Erin Mielke, Mohammed Nasiruzzaman, Laura Raney, Mathea Roemer, Lee Sims, Caitlin Thistle, John W. Townsend, Julianne Weis e Danette Wilkins.
Referências
- High Impact Practices in Family Planning (HIPs). Documento de Reflexão sobre Equidade para a Parceria PGI. Parcerias PGI; 2019. Acessado em 10 de agosto de 2021. https://www.fphighimpactpractices.org/wp-content/uploads/2020/09/HIP-Equity-Discussion-Paper_PORTUGUESE.pdf
- Health equity. World Health Organization. Acessado em 3 de julho de 2019. https://www.who.int/health-topics/health-equity
- Práticas de Grande Impacto em Planejamento Familiar (PGIs). Mudança Social e Comportamental: Uma parte crucial de programas de planejamento familiar efetivos USAID; 2018. Acessado em 10 de agosto de 2021. https://www.fphighimpactpractices.org/wp-content/uploads/2019/06/MundacaSocialComportamentalSupervisão.pdf
- Gillespie D, Ahmed S, Tsui A, Radloff S. Unwanted fertility among the poor: an inequity? Bull World Health Organ. 2007;85(2):100–107. https://doi.org/10.2471/blt.06.033829
Sugestão para Citação
Práticas de Grande Impacto em Planejamento Familiar (PGI). Criar acesso equitativo a informação e serviços de planejamento familiar de alta qualidade: Guia de Planejamento Estratégico. Washington, DC: Parcerias HIP; Ago 2021, disponível em: [www.fphighimpactpractices.org/guides/creating-equitable-access-to-high-quality-family-planning-information-and-services]
Para engajar-se com as PGIs, visite: https://www.fphighimpactpractices.org/pt/engage-with-the-hips/
As Parcerias PGIs representam uma parceria diversa e orientada por resultados, abrangendo uma ampla gama de partes interessadas e especialistas. Por essa razão, as informações nos materiais PGI não necessariamente refletem as visões de cada copatrocinador ou organização parceira.